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segunda-feira, 28 de março de 2011

DISCURSO DO SENADOR CRISTOVAM BUARQUE - PLENÁRIO DO SENADO FEDERAL 23/03/2011

QUA, 23 DE MARÇO DE 2011 23:41
Plenário do Senado Federal 23/03/2011 (Cristovam lamenta posição do Brasil no que diz respeito à qualidade da educação pública)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT – DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, na semana passada, o Brasil teve a grata surpresa de perceber que somos a sétima potência econômica do mundo, ou seja, que, em relação à soma da nossa produção, ao nosso Produto Interno Bruto, só há seis países na frente. Estamos na frente, inclusive, de países que são considerados ricos. O Brasil é uma grande potência. Ninguém pode diminuir o feito de uma nação que, até pouco tempo atrás, era pobre e que hoje tem uma riqueza desse tamanho, mas não temos o direito, Senador Taques, de nos iludirmos com esse lado das estatísticas.
Na mesma semana em que tomamos conhecimento, Senador Paim, de que somos a sétima economia do mundo, tomamos conhecimento de que somos a 80ª em educação. Nada justifica isso. Ao ver esses dois dados simultaneamente, lembrei, e aqui falo direto ao Senador Paulo Paim, de uma visita que Dom Pedro II fez à França, em que se encontrou com o grande escritor Victor Hugo, que se negou a apertar a mão de Dom Pedro II, porque disse que não apertava a mão de um imperador de um grande país onde ainda havia escravidão. Hoje, se viajarmos por aí não nos surpreendamos se alguém disser que não aperta a nossa mão, porque somos a sétima economia do mundo e o 80º lugar em educação. Ou, se quiserem comparar com outro dado, somos o 53º que não cumpriu as metas do milênio. Qüinquagésimo terceiro é muito!
Países muito menores, como o Azerbaijão, o Paraguai, o Peru, a própria Palestina em guerra, cumpriram melhor as metas do milênio do que o Brasil. Somos a sétima economia, mas somos a 55ª em renda per capita. Ou seja, nós somos uma grande economia na soma, mas, quando distribuímos para todos, estamos em 55º lugar. Não podemos alegrar-nos tanto.
Pior, muito pior, somos a sétima economia do mundo, mas estamos, pasmem, em oitavo lugar como pior concentração de renda. Atrás de nós só estão Guatemala, Suazilândia, República Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia.
Não podemos relegar o fato de sermos a sétima potência, mas não podemos iludir-nos com o fato de sermos a sétima potência do ponto de vista econômico.
Senador Taques, que tanto se preocupa com isso, somos o 79º país, de acordo com a Transparência Internacional, em percepção da honestidade e sua importância na vida pública. A Transparência Internacional dá notas que seriam notas que corresponderiam à honestidade da atividade pública. A maior nota é 10; o Brasil tem 3,7. Somos a sétima economia do mundo, mas somos reprovados em honestidade na atividade pública.
Somos o oitavo pior país do mundo em número de analfabetos, ou seja, somos a sétima potência econômica do mundo e temos 14 milhões de analfabetos, três vezes mais o número de 1888. Diminuiu a proporção, mas o número ficou três vezes maior. E, em 1888, os nossos grandes líderes republicanos fizeram uma bandeira e escreveram nela “Ordem e Progresso”, sabendo que, naquela época, quase 60% não sabiam ler. Ou seja, uma bandeira para poucos. Hoje, a nossa bandeira é desconhecida por 14 milhões de brasileiros, porque, se a gente misturar as letras do “Ordem e Progresso”, esses analfabetos vão continuar achando que é a mesma bandeira. Se a gente escrever “Ordem e Progresso” em inglês, em francês, eles vão achar que é a mesma bandeira.
Somos a sétima potência econômica do mundo, mas temos hoje 14 milhões de analfabetos. Nós temos de ter vergonha de sermos a sétima potência econômica do mundo e de termos o analfabetismo também.
Não vou dizer que tenhamos vergonha de sermos a sétima potência econômica, mas, quando juntamos isso como o número de analfabetos, temos, sim, a obrigação de nos envergonharmos como Dom Pedro II se envergonhou quando Victor Hugo se negou a apertar a mão dele.
Somos o 46º país, último país – porque a pesquisa só foi feita para 46 – na pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, em jovens concluindo o ensino médio.
Tínhamos de ter vergonha de continuar nessa posição social, sobretudo por sermos a sétima potência na economia. Se fôssemos a centésima potência, a gente poderia lamentar os indicadores sociais, mas não nos envergonharmos deles. Mas, se estamos tão bem na economia e tão mal no social, nós temos, sim, de nos envergonharmos como Dom Pedro II se envergonhou diante de Victor Hugo, cento e poucos anos atrás.
Nós somos um país dos piores do mundo na permanência de criança na escola. Permanência do ponto de vista de ficar o dia inteiro, se for horário integral, que não temos, mas de ficarmos as quatro horas. Nossas crianças só ficam na escola, uma imensa maioria, até a hora da merenda, porque vão ali para comer, porque nossas escolas se transformaram em restaurantes mirins, porque dão a comida, o que felizmente já se faz, mas as crianças não ficam o dia inteiro, os professores não dão dever de casa e as crianças não ficam todos os dias indo à escola, não ficam todos os meses indo à escola, e não ficam todos os anos indo à escola, até os dezoito anos.
Nós somos campeões, pelo lado negativo, lanterninhas na permanência de criança na escola: no número de horas por dia, no número de dias por semana, no número de meses por ano, no número de anos até os dezoito anos de idade.
Nós não temos o direito de comemorar a posição que adquirimos, de sétima potência econômica do mundo. Não podemos ficar tristes por sermos uma potência econômica, mas não podemos comemorar. Não temos o direito de comemorar.
Como D. Pedro II não tinha o direito de comemorar que o Brasil era um dos maiores exportadores de açúcar, de café, nas costas dos escravos. E Victor Hugo percebeu isso, e teve a força de dizer que não apertava a mão do imperador. E alguns dizem, biógrafos de D. Pedro II, que aquele foi um dos pontos fundamentais para que ele fizesse a inflexão na direção de defender a abolição da escravatura.
Nós não temos o direito de chegar a R$3 trilhões por ano e não termos bons salários para os professores; e não termos professores bem preparados; e não termos todas as crianças na escola; e não termos todas as crianças em escola igual na qualidade. Porque o maior problema do Brasil não é apenas as crianças ficarem pouco tempo em escolas ruins, mas as escolas serem diferentes, Senador Wellington. Porque o berço da desigualdade está na escola, o berço da desigualdade é a escola. É ali que fabricamos a desigualdade.
Nós não temos o direito de ser a sétima potência econômica do mundo e continuarmos na vergonhosa, vexaminosa posição social em que nós estamos.
Mas eu quero concluir, Senador Taques, dizendo que essa sétima posição econômica não vai durar se não formos capazes de resolver o problema social, até porque nós somos a sétima potência econômica do mundo, mas produzindo e exportando coisas parecidas com aquelas dos anos 50, 60, 70. Nós exportamos ferro, nós exportamos soja, nós exportamos muitos produtos industriais, mas da indústria mecânica; nós não exportamos bens de alta tecnologia ainda. Nós exportamos até automóveis, mas importamos os chips. Até os nossos aviões, que são símbolo da modernidade e da tecnologia, quando a gente olha lá dentro, a inteligência, o conteúdo de inteligência em geral é importado.
Não há futuro na economia se não houver futuro na ciência e na tecnologia que a economia usa. Se continuarmos nesse ritmo, em vez de chegarmos à quarta, à quinta, nós vamos, dentro de algumas décadas mais, decair outra vez, porque os outros países estão investindo em ciência e tecnologia, o que exige investimento em educação. E, a partir daí, nossa economia começará a ter o que se chama termos de intercâmbio, que vão levar à perda, porque nós precisamos de toneladas e toneladas de ferro para importar gramas de chips. Aí não tem futuro.
Eu vim aqui não para ficar triste com a sétima economia do mundo – até sinto uma certa alegria – mas vim também aqui para manifestar a minha preocupação, a minha tristeza, e eu diria, como D. Pedro II sentiu naquele dia, a minha vergonha de sermos a sétima potência econômica do mundo e estarmos tão atrasados nos aspectos sociais. E a minha grande preocupação ao saber que, se não mudarmos o quadro social, o futuro da economia não vai continuar brilhante por muitas décadas. Pode continuar por alguns anos, mas não resistirá até meados deste século, quando os outros países todos forem os inventores, os construtores, os modernizadores, os produtores das novidades, e nós continuarmos sendo a sétima potência econômica do mundo produzindo as coisas antigas.
Isso é o que eu tinha para falar, Senador Paim, mas eu vejo que o Senador Wellington me perde um aparte e isso só pode engrandecer o debate e a minha fala. Por isso eu peço permissão ao Presidente para passar a palavra ao Senador Wellington.
O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT – PI) – Eu que agradeço, meu querido Senador Cristovam Buarque, meu professor. É sempre um prazer e aprendo muito sempre que ouço V. Exª. Comentava há pouco com o nosso agora Presidente Paulo Paim a admiração que todos temos pela dedicação de V. Exª à causa da educação. V. Exª, na verdade, atua em vários campos importantes da área social, da área econômica, enfim, mas com a educação como foco, ou seja, uma vida inteira dedicada à área da educação.
E eu queria concordar com V. Exª, concordar e citar um exemplo singelo do efeito da educação na economia, como em todas as áreas, pela experiência que eu pude vivenciar no Piauí. V. Exª se lembra quando esteve lá no Piauí com o Presidente Lula lançando o Programa Fome Zero.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT – DF) – Lembro.
O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT – PI) – E eu dizia para ele, e V. Exª era minha grande âncora naquela discussão, da importância de se cuidar da questão do alimento, mas também da educação. E registro meu convencimento: o problema, por exemplo, do Nordeste não tem nada a ver com seca, com semiárido. O problema é educação.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT – DF) – Muito bem, Senador Wellington.
O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT – PI) – O problema do meu Estado é educação. E veja: só o fato de a gente passar nesses últimos onze, doze anos de uma situação de poucas escolas, e, repito, inclusive muitas delas ainda hoje sem a devida qualidade que desejamos, mas sair de 35 escolas de ensino médio para 520 escolas, já era um avanço importante; e tínhamos tido avanços no ensino fundamental. Lá mesmo experimentamos com V. Exª um modelo da escola ideal em vários Municípios, uma escola dentro dessa concepção que V. Exª traz neste debate, o efeito de a gente ampliar as condições de profissionalização, as condições de melhorar a qualidade da educação. O meu Estado saiu de um Produto Interno Bruto nominal, em 2002, de R$7 bilhões, e a previsão – os dados oficiais não foram ainda divulgados –, a previsão é ter chegado a 2010, oito anos depois, em aproximadamente R$20, R$21 bilhões em PIB. Ou seja, a educação permite inclusive que se tenha um crescimento econômico com distribuição de renda. Não é possível distribuição de renda sem a educação equilibrada dentro de um Estado. Então, eu quero aqui parabenizá-lo por esse alerta que nos faz, por essa cobrança que faz aqui e quero aqui, de forma muito humilde, como seu aluno, seu aprendiz, aqui me somar nessa batalha para que o Brasil coloque a educação, coloque a área da ciência, da tecnologia, da pesquisa como um instrumento não só de erradicação da miséria, mas também de tornar o Brasil de forma consolidada como uma importante potência, não só na economia, mas uma potencia em educação do mundo. Muito obrigado.
O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT – DF) – Eu que agradeço, Senador Wellington.
Quero concluir, Senador Paim, dizendo que esta Casa não pode ficar alheia a esse divórcio entre a potência econômica e o atraso social. Não podemos ficar alheios E nem podemos também ficar apenas comemorando apenas pequenos, minúsculos passos. O que o Senador Wellington mostrou para o Piauí não é um pequeno passo; temos que fazer no Brasil inteiro nessa dimensão pelo menos. Nós não temos o direito de comemorar passos pequenos no social quando damos passos gigantes no econômico. Na economia estamos dando passos gigantes. Por que não podemos dar passos gigantes também no social?
E, para mim, o caminho é a educação; para mim, os recursos para a educação já existem graças a essa potência econômica que nós somos. Esse discurso poderia estar equivocado, podia ser um otimismo exagerado se eu estivesse falando 20 anos atrás; não hoje. Hoje é possível. Depende da gente, e o Senado tem um papel a cumprir, o Senado precisa levar adiante esse papel.
Nesta semana tomou posse o Presidente do Senado do Chile. Tive a oportunidade de ler o discurso do Presidente do Senado e vi como ele colocou uma pauta no Senado chileno que permitia àquele país usar o Senado como um veículo da transformação. O novo Presidente do Senado chileno, Guido Girardi, é um jovem médico e coloca com maior clareza que o Senado pode ser a Casa fundamental do encontro dos dois Chiles em um só Chile, e esses dois Chiles se encontrarão quando a escola for igual para todos.
Esse é o desafio que a gente precisa colocar no Senado, para que este Senado, quando for à França, não tenha nenhum escritor como Victor Hugo, que se negue a apertar a mão de um Senador brasileiro, porque saberá que, pelo menos, nós estamos lutando para que este País seja a 7ª potência econômica do mundo, mas seja também a 7ª potência social do mundo onde nós vivemos.
Era isso, Sr. Presidente, agradecendo o tempo que me foi dedicado.

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